11/26/2010

O OVO DA SERPENTE


Este é o título de um magnífico filme do grande cineasta sueco, Ingmar Bergman, que relata os últimos anos da democracia alemão – a República de Weimer – e a ascensão de Hitler e do nazismo ao poder.
Enquanto o regime democrata se debatia com uma crise económica profunda que lançava para a miséria a classe média do país e tornava os pobres ainda mais pobres, os partidos políticos, incapazes de estabelecer consensos, consumiam-se em profundas divisões, em querelas e acusações absurdas, derrubando-se governos, atrás de governos.
À sombra da miséria do povo, do descrédito dos políticos, o “ovo da serpente” medrava, encontrava conforto no desespero do povo e finalmente rebentou, permitindo que a serpente nazi se instalasse, dando origem ao primeiro regime totalitário da era moderna, porventura o mais tenebroso, pela cientificidade da sua malvadez.
Não será seguramente a mesma serpente, mas que entre nós “choca” qualquer coisa, choca.
A aprovação deste Orçamento, que deve ser assumida como um acto político patriótico – porque o país está asfixiado pela dívida exterior – não nos deve deixar eufóricos, porque este é o Orçamento que nunca gostaríamos de ter tido de aprovar.
Mas este acto patriótico não mata o ovo da serpente. Ele está aí, alimentado pela ameaça da instabilidade política irresponsavelmente prometida pela direita, pela descrença que a oposição proclama na incapacidade de o mesmo pode ser executado e sobretudo, porque, exceptuando Sócrates (honra lhe seja feita) ninguém quer assumir um discurso de esperança e confiança: nem o principal partido da oposição o faz, nem os sindicatos (recordo o exemplo dos sindicatos alemães depois da queda do nazismo, que talvez por se lembraram do “ovo” que ajudaram a chocar, estiveram cerca de 40 anos sem fazer uma única greve), e sobretudo, nem o Presidente da República – mais interessado em esmagar Manuel Alegre à custa desta crise – que deveria, com a autoridade inerente ao cargo, solidarizar-se com o Orçamento aprovado.
Por isso ele continua aí, a chocar, à espera de parir uma outra serpente, porventura não tanto sanguinária como a serpente nazi, mas igualmente totalitária, uniformizadora, impositora da completa desregulação das leis sociais, impositora de um novo poder, que resultará da conjugação de interesses entre os mercados neo-liberais, do poder judiciário, bem acolitados pelos novos “Goebels” da actualidade, que são os meios da comunicação social, propriedade dos grandes grupos económicos.
Quando isso acontecer, a história repetir-se-á: primeiro acabam-se com os partidos ( e não isento os partidos de erros, mas não há democracia sem partidos) e inventam-se os “novos judeus” para perseguir: os imigrantes; de seguida entrega-se o poder a uma “república de juízes” bem apoiados pela nova comunicação social, propriedade dos grandes grupos económicos.
“Esmagar este ovo” é um dever de todos, só possível com seriedade, responsabilidade e sentido do dever.

11/24/2010

AS DUAS GREVES GERAIS

Embora ainda seja cedo para se tirarem conclusões de números finais, não tenho dúvidas nenhumas em admitir que esta greve geral atingirá uma proporção muito significativa. Seria de estranhar se fosse ao contrário.
De facto, as consequências do Orçamento aprovado, serão muito pesadas para as famílias das pessoas em geral e dos trabalhadores por conta de outrem, em particular. Admito mesmo, que para alguns sectores, serão devastadoras.
Não é relevante, para esta reflexão, debater as razões pelas quais se chegou a este ponto. Para uns, resultado de má governação, para outros, nos quais me incluo, consequência da crise internacional, imobiliária, financeira e económica da responsabilidade da orientação económica neo-liberal, decidida nos inúmeros “G 20” e cimeiras mundiais.
Importa sim, perceber se esta greve geral contribui, ou não, para ajudar a ultrapassarmos esta crise. Sobre isto, admito que tanto pode ajudar, como pode ter um efeito ainda mais pernicioso. Começo pelo efeito negativo, pernicioso:
Se esta greve, politicamente cavalgada pelo PCP e pelo BE e apreciada com simpatia por alguns sectores da direita, ajudar à instalação de um clima de ingovernabilidade, cujas consequências levarão o país a uma maior dependência do exterior com todos os agravamentos económicos e financeiros” possíveis e imaginários” para as famílias em geral, ela será muito negativa. Para além do mais, uma leitura politizada desta greve geral, criará uma situação muito delicada para um eventual governo que substitua o actual, que, ao não descolar-se da greve geral, poderá estar a transmitir a ideia da reversibilidade a curo ou médio prazo, das medidas agora aprovadas neste OE, ideia que, naturalmente não poderá cumprir…
Não admira assim, que esta greve seja particularmente acarinhada pelo PCP e pelo BE (não aspiram ao poder e portanto não sentem a necessidade de tomar medidas concretas) mas, espanta alguma complacência de alguns sectores do PSD, reveladora de quem ou não tem visão a médio/longo prazo ou, de quem quer é chegar ao poder depressa e a qualquer custo.
Como é que, em meu entender, esta greve geral poderia ajudar no combate à crise?
A resposta é, quanto a mim, simples: se ela tiver um efeito tribunício, isto é, se ela servir para afastar as massas mais duramente atingidas pelos efeitos das medidas tomadas de acções de insubordinação ou revolta social, substituindo essa possibilidade, por este meio poderoso, incómodo, mas previsto pelo sistema democrático, e portanto legal.
É que não estamos livres de uma qualquer explosão social, do tipo grego ….